Vamos voltar a falar do documentário “Dilema nas Redes”. A importância das redes sociais e a influência das grandes plataformas na atualidade, e também os problemas e as possibilidades que elas oferecem, vão se fazer cada vez mais presentes no dia a dia de todos, sejam usuários ou não.
O documentário, criado pela Netflix – principal serviço de TV por internet do mundo, com mais de 100 milhões de assinantes – se apresenta como uma revelação, uma espécie de “inside information” que o público agora recebe de gente importante que trabalhou no desenvolvimento e nas estratégias de gigantes da tecnologia como Youtube, Facebook, Twitter, Google, entre muitas outras. Não que a maioria não soubesse, de uma maneira ou outra, como as plataformas agem e trabalham, mas o documentário traz vários aspectos importantes.
Embora as pessoas hoje “precisem” dessas redes em suas vidas, seja para diversão, informação, e até para o trabalho, o “Dilema” nos deixa saber que há muitos efeitos colaterais indesejados. Um deles é que as redes acabaram dando voz a muitas pessoas que, percebemos pelos depoimentos, nunca deveriam ter tido voz. A própria Netflix, produtora do “Dilema”, tem também suas próprias ideias, e suas próprias queixas, percebe-se logo se não nos ativermos apenas ao discurso aparente do documentário, mas principalmente se nos dispusermos a ler nas entrelinhas. É fato que, até alguns anos atrás, toda a dieta de informações que a sociedade recebia era servida por alguns poucos e grandes grupos de comunicação.
O tema “verdade e mentira” não era tão quente assim como é hoje. E embora houvesse alguma reclamação aqui ou ali, o respeitável público aceitava o que recebia dos tradicionais veículos sem maiores questionamentos. Quase todos esses grandes veículos apresentavam o mundo de forma mais ou menos fiel. Pelo menos era o que se acreditava.
Santa ingenuidade! Então surgiu a internet, e com ela as grandes plataformas, e o que se viu é que as pessoas não pensam ou se comportam da maneira que se supunha. Para surpresa dos criadores e também para surpresa dos antigos “proprietários das informações”, as redes representaram uma espécie de libertação do público, e isso tanto para o bem quanto para o mal.
E aqui vemos outra novidade trazida pelos novos tempos: quem representa – ou está do lado – do bem, e quem não está? Porém, os produtores do “Dilema” têm a certeza de que estão de posse de todas as respostas que a sociedade “quer” e, segundo eles, mais do que “quer”, “precisa”. No entanto ocorre que, embora muito inteligentes, às vezes até geniais, os criadores são também apenas seres humanos e, como tais, cheios de ideais próprias e projetos sociais na cabeça.
Se nos dispusermos a ler nas entrelinhas do “Dilema”, e isso não está muito escondido, logo perceberemos que os criadores também tem seus objetos de ódio – e querem proteger o mundo desses objetos, que normalmente assumem a forma não apenas de ideias, mas de pessoas de carne e osso.
E é exatamente aí que está o grande tema que o documentário não aborda, e talvez esse seja o problema mais relevante – ou pelo menos um dos mais – dessas grandes plataformas: quem regula as plataformas? Sim, os algoritmos, nos confidenciam eles, controlam os usuários, mas quem é que controla os algoritmos? Pois as plataformas se aproveitam de uma grande ambiguidade legal. Porque se elas trabalham com algoritmos para restringir ou até impulsionar conteúdos, todos eles produzidos por terceiros – afinal, nas redes, todos somos sempre e apenas terceiros – o que é que as próprias plataformas são: meros veículos de divulgação de opiniões de terceiros, pelos quais elas não querem e nem devem se responsabilizar, ou são essas plataformas “editoras” desses conteúdos de terceiros?
Enquanto essa questão não se esclarecer, elas pairarão como deuses – tecnológicos – supremos, como capacidade para decidir sobre o bem e o mal. Nós, afinal, os usuários, somos apenas os terceiros.